O sistema cardiovascular sofre transformações que o tornam mais capaz, em longo prazo, de sustentar o tecido muscular em graus de atividade progressivamente maiores. Atualmente a fisiologia do exercício centra muita da sua atenção sobre as particularidades destas adaptações uma vez que o sistema em causa é sede de patologia muito prevalente.
Esta abordagem tem as suas origens no início do século com o estudo da performance dos atletas em provas de resistência e com a pesquisa de ferramentas que a permitissem avaliar e tornar previsível com base em princípios fisiológicos.
Foi então desenvolvida a técnica do cálculo do VO2máx. individual, que mais tarde se veio a revelar como um bom instrumento e para avaliar a função cardíaca (débito cardíaco). Mais tarde com os estudos epidemiológicos que vieram revelar a crescente incidência das doenças cardiovasculares e da sua associação com os estilos de vida, a performance no exercício tem vindo a ser interpretada como um reflexo da saúde cardiovascular.
O consumo máximo de oxigênio durante o exercício é calculado como a diferença do conteúdo entre oxigênio entre o ar inspirado e o ar expirado. É igualmente possível calculá-lo pelo produto do débito cardíaco pela diferença arteriovenosa de O2. Quando consideramos a origem e o destino que esse oxigênio tem após abandonar os espaços alveolares, vemos que existe uma série de sistemas entre os pulmões e as mitocôndrias musculares que podem limitar a quantidade de oxigênio que é possível transportar num dado período de tempo.
Apesar de o nível pulmonar existir uma barreira física constituída por pelas paredes dos alvéolos e dos capilares, durante o exercício, o gradiente de oxigênio entre o sangue venoso e o ar alveolar aumenta, assim como há uma melhor distribuição da perfusão face à ventilação. Estes dois últimos fatores contribuem para que ao nível do mar os pulmões sejam capazes de saturar todo o sangue que percorre a sua rede vascular, em qualquer situação.
Nestas condições o sistema pulmonar não constitui uma limitação no consumo de oxigénio. Todavia, indivíduos altamente treinados possuem um débito cardíaco altamente elevado, tanto do lado esquerdo como do lado direito do coração, resultando um fluxo sanguíneo extremamente rápido pelos capilares pulmonares, com perda de capacidade de saturação. Nestes casos excepcionais o VO2máx. encontra-se parcialmente limitado pela função pulmonar. De seguida, encontramos o sistema de bomba cardíaco, cuja responsabilidade é a propulsão do sangue para o organismo, adequando o aporte ao consumo de oxigénio. Aqui encontramos a verdadeira limitação para o consumo máximo de oxigênio. Apesar de poder aumentar o seu débito à custa da freqüência e do volume de ejeção o sistema ventricular estabiliza num plateau a partir do qual não é possível bombear mais sangue por unidade de tempo.
Quando consideramos o tecido muscular observamos que quando se atinge o VO2 máx., já se ultrapassou o limiar anaeróbio, o que pode ser interpretado como uma insuficiência no aporte do oxigênio que determina o recrutamento da via anaeróbia.
De fato o tecido muscular é capaz de consumir mais oxigênio do que aquele que lhe chega durante um exercício de resistência que envolva grandes grupos musculares.
Estudos recentes mostram que mesmo em condições ótimas o músculo não usa todo o seu potencial oxidativo. Apesar das barreiras físicas e enzimáticas que possam existir a este nível, o tecido muscular não constitui, portanto um limite para a quantidade de oxigénio consumível. Concluímos, portanto que na maior parte das circunstâncias o VO2 máx. é uma boa forma de estudo do débito cardíaco máximo, que constitui o seu principal fator limitante.
O problema surge quando tentamos correlacionar a função cardíaca com a performance nos exercício de resistência. Perante um grupo populacional heterogêneo podemos estimar quais os melhores potenciais atletas de resistência pelo cálculo do seu VO2máx. Mas quando nos debruçamos sobre indivíduos com valores de VO2 máx. similares encontramos diferenças no seu desempenho. O VO2 máx. está longe de ser o único índice determinante do desempenho.
Por outro lado a sua aplicação está restrita ao campo dos exercícios de resistência. É posta em causa hoje a aplicação destes testes que tanto se generalizaram nas últimas décadas, pois têm sido apontados fatores de ordem genética para a evolução do VO2 máx. com o treino, que não refletem necessariamente a evolução do desempenho global com o treino. Quando se acompanha o treino de indivíduos previamente sedentários verifica-se uma rápida evolução do VO2 máx. nos primeiros meses de treino, que estagna posteriormente, apesar de nítida progressão na atividade.
A grande razão para as limitações apontadas é o papel limitado do aumento do débito cardíaco para a performance nos exercícios de resistência. São igualmente importantes as adaptações musculares e periféricas, que passam pelo aumento da capilaridade, da densidade mitocondrial e enzimática e pela capacidade de recrutar mais fibras musculares para o mesmo movimento (distribuição da carga oxidativa por mais mitocôndrias). O último fator encontra-se ele próprio relacionado com a evolução técnica na execução do exercício que influencia a economia do movimento.
Este termo classifica a eficiência mecânica, ou seja, o “custo em oxigénio” de um movimento, ou série de movimentos. Todos estes factores e certamente outros ainda não descritos são importantes para a adaptação não cardiovascular aos exercícios de resistência.
Atualmente é possível encontrar outras ferramentas que nos dão uma visão mais global e completa. A porcentagem do VO2máx. no limiar do lactato é uma informação sobre qual intensidade de exercício que é possível sustentar, sem recorrer à via anaeróbia. Este valor combina simultaneamente informação sobre o sistema cardiovascular e muscular, ao mesmo tempo em que a sua evolução acompanha mais proximamente a do desempenho com o treino em longo prazo.
O débito cardíaco é por sua vez o reflexo de um conjunto de modificações estruturais cardíacas. Cronicamente o seu aumento faz-se à custa do aumento da complacência dos ventrículos, do efeito de pré-carga e da diminuição das resistências periféricas. Permanece controverso o eventual papel do aumento crônico da contractilidade intrínseca do miocárdio, embora existam evidências da alteração da cinética do cálcio com o treino. A situação de treino que sujeitam o coração a elevados volume de enchimento, volumes de ejeção e débitos cardíacos conduzem ao aumento das dimensões ventriculares e do volume telediastólica (em esforço e repouso), sem alterações na espessura da parede.
Embora a diferença entre atletas treinados e indivíduos sedentários não exceda os 10% no diâmetro ventricular, traduz-se num aumento de volume de 33%. Em algumas semanas, o músculo cardíaco adapta-se a uma subida da sua carga de trabalho mantendo constante a tensão sobre a parede de acordo com a lei de LaPlace, através da dilatação global das câmaras cardíacas. Os exercícios isométricos e similares induzem outro padrão de hipertrofia. O coração responde à exposição a pós-cargas elevadas aumentando a espessura da parede irrespetivamente das dimensões das câmaras cardíacas. Tal como a nível muscular esquelético não se considera a hiperplasia cardíaca um fenômeno freqüente. Os exercícios de resistência causam um aumento progressivo e proporcional à intensidade do trabalho cardíaco, ou seja, da freqüência, tensão parietal e velocidade de encurtamento, que simultaneamente são os maiores determinantes do consumo de oxigênio pelo miocárdio.
Para acomodar estas exigências o fluxo vascular coronário acompanha aguda e cronicamente a evolução da intensidade do trabalho cardíaco. A rede vascular coronária é sede de angiogênese no nível dos pequenos e grandes vasos, do que resulta uma subida da densidade capilar cardíaca e uma acomodação de um maior fluxo. Se agudamente o papel da pré-carga é secundário na adaptação ao exercício físico é mais incerto o seu papel em longo prazo.
O treino desencadeia uma expansão do volume de sangue circulante que apesar pequena do ponto de vista quantitativo parece ser vantajosa durante o exercício. Esta vantagem é mais evidente em indivíduos treinados, especialmente os de nível atlético que praticam não frequentemente a prática da "carga de volume". A expansão artificial do volume plasmático (autotransfusão) condiciona um aumento do desempenho do esforço, que é a tradução de um maior VO2 máx. e volume de ejeção. A razão para este fenômeno parece ser um aumento da reserva diastólica, por aumento da compliance cardíaca nos indivíduos treinados.
O papel da pós-carga no desempenho cardíaco é facilmente compreendido se tivermos em consideração que é um determinante essencial do débito cardíaco. Se este último parâmetro aumentasse isoladamente, sem as concomitantes alterações periféricas, a subida rápida de pós-carga limitaria a sua utilidade. É por isso relevante a dilatação do leito vascular muscular durante o exercício que acomoda o aumento do fluxo arterial e diminui as resistências periféricas. Uma importante modificação induzida pelo treino é por isso o crescimento dos capilares musculares e as alterações da regulação do tono arteríola.
Em indivíduos treinados estes fatores atuam concertadamente reduzindo a pós-carga para níveis que não seriam possíveis para o mesmo débito cardíaco, em pessoas inativas. Ao contrário do que seria de esperar os fenômenos agudos dos atletas não possuem maiores freqüências cardíacas em esforço. A freqüência cardíaca máxima permanece a mesma ou diminui ligeiramente.
Um ponto importante é que para o mesmo esforço, ou mais corretamente, para o mesmo consumo de oxigénio, a sua freqüência cardíaca é substancialmente inferior à de indivíduos não treinados. Em repouso é freqüente apresentarem valores que se podem classificar como bradicardia. Estas diferenças refletem as alterações na regulação autonômica que não estão ainda completamente esclarecidas. Com o efeito do treino, a remoção parassimpática que é parcialmente responsável pela maior freqüência cardíaca em exercício torna-se menos marcada durante a actividade.
Em repouso existe igualmente um acentuar do tono parassimpático. Os níveis de catecolaminas circulantes e no tecido cardíaco não sofrem alteração quando são comparadas situações de idêntica percentagem relativa do esforço máximo. O ritmo de descarga intrínseco (após bloqueio adrenérgico e colinérgico) do tecido pacemaker do nodo SA torna-se menor e por razões desconhecidas todos os tecidos pacemaker aumentam a sua freqüência de descarga quando estirados.
Pensa-se que nestas condições se atenua a resposta cronotrópica positiva ao estiramento. Outro mecanismo proposto para explicar a bradicardia em repouso é o efeito de feedback negativo exercido pelos barorreceptores carotídeos perante o aumento do débito cardíaco.
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